
Parei para rever “Casablanca” (1942). A primeira vez em muito tempo. Ainda um épico. Combinação perfeita entre paixão e renúncia. As mudanças sutis nos semblantes de Borgart e Bergman continuam inigualáveis.
Desta feita prestei atenção na cronologia. A história se passa em dezembro de 1941. Ou seja, necessariamente na primeira semana do mês, na véspera da entrada dos EUA na guerra.[1] Ainda que a França de Vichy não estivesse entre os alvos iniciais, julgo inconcebível que o Rick’s Café continuasse funcionando normalmente após Pearl Harbor. Pior, alegremente frequentado por oficiais nazistas.
Já pelo modo como os protagonistas se olham, seria fácil imaginar que não se viam há muito tempo. No entanto, Rick e Ilsa se separaram quando as tropas alemãs entraram em Paris, em 14 de junho de 1940. Assim, eles estavam separados há apenas dezoito meses. Foi nesse curto período que Rick conseguiu se instalar em Casablanca e se estabelecer como um dos mestres da vida noturna local. Coisas do cinema!
O mais interessante é a fala de Ugarte (Peter Lorre; vide foto) antes de ser preso:
_ Escute, Rick. Sabe o que é isto? Algo que nem você viu. Salvo-condutos assinados pelo General De Gaulle. Não podem ser rescindidos. Nem mesmo questionados.
Incrível! Como De Gaulle estava longe de ser uma figura bem quista pelo governo colaboracionista, um documento com a sua assinatura equivaleria, isto sim, a um ato de traição.
Na verdade, é até possível que os roteiristas soubessem exatamente quem era De Gaulle. Hipoteticamente, podem ter concluído que precisavam do nome de uma autoridade francesa com alguma ressonância entre o público americano. Considerando o baixo nível de informação do espectador típico, não seria descabido lhe atribuir uma autoridade sem qualquer respaldo na realidade. Intencional ou não, o próprio líder da França Livre pode ter dado boas risadas com esse anacronismo.
[1] O ataque contra Pearl Harbor se deu em 7 de dezembro de 1941. Os EUA declararam guerra ao Japão no dia seguinte. No dia 11, a Alemanha declarou guerra ao primeiro.
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