
O livro Nós do Brasil: Nossa Herança e Nossas Escolhas, de Zeina Latif, funciona como uma compilação das mais principais conclusões da teoria do crescimento econômico e das suas aplicações ao caso brasileiro. Prevalecem os argumentos respaldados pela corrente dominante (mainstream) da ciência econômica, preocupada em testar tanto quanto possível as evidências empíricas disponíveis. No entanto, também há espaço para teses mais especulativas, ou menos “robustas”, como o juízo sobre a “moderação política dos nossos bacharéis” novecentistas, que não teriam se empenhado em construir um regime político radicado na democracia e na igualdade, o que explicaria o estigma do termo “liberal” entre nós. No processo de síntese, porém, a obra se revela um tanto esquemática e repetitiva em algumas passagens, bem como torna-se paulatinamente menos rigorosa à medida que avança.
Entre os pontos fracos, destaco a ambiguidade da autora acerca do resultado da eleição presidencial de 2014. Inicialmente, ela avalia que o pleito não teria passado no “teste de qualidade da democracia, ao menos no quesito abuso de poder econômico do incumbente”. Em seguida, contudo, ela aponta uma falta de autocontenção da parte do PSDB, que levantou dúvidas sobre a lisura do processo. Nenhuma alusão é feita ao papel secundário deste último, claramente empurrado pelas ruas, no processo que resultou no impeachment da vencedora. Outro ponto fraco é a não incorporação na análise da perda de protagonismos do Executivo vis-à-vis o Legislativo a partir de 2015. Pelo contrário, a autora reitera o entendimento usual de que o “poder de agenda legislativa do Executivo permite a formação de coalizões pós-eleitorais”.
Por fim, há as declarações puramente perfunctórias, desprovidas de valor analítico. É o caso da afirmação de que se deve “eliminar a militância e a politização nas redações, que afastam o leitor à procura de análises isentas”, sem que seja uma definida uma métrica para avaliar o viés apontado e tampouco uma estratégia que permitisse alcançar o objetivo almejado. De modo similar, a obra encerra com um tom otimista, não inteiramente consubstanciado pela análise precedente, e proclama que “novos ventos de concorrência na política, debate público mais maduro e sociedade mais participativa” ampliariam o espaço da democracia liberal, ora exprimida entre a esquerda e a direita intervencionistas e corporativistas. Aqui, creio, a autora adentra o terreno da mais pura “ilusão automotivada” (wishful thinking).
A sua principal conclusão é que a insuficiente valorização da educação, o reduzido sentimento de identidade nacional (ou de pertencimento), que produz baixa coesão social, e a inclinação por maior intervenção estatal são crenças que prejudicam o desenvolvimento do país. Ademais, ressentimentos e traumas do regime militar teriam estimulado a sindicalização e o corporativismo, bem como influenciado na elaboração da Constituição, o que ampliou o patrimonialismo e enfraqueceu a economia e a democracia. Uma importante consequência da falta de coesão é a dificuldade na construção de consensos, o que tem resultado em normas ambíguas e incompletas. Com isso, o trabalho de interpretação adquiriu uma dimensão incomum na comparação com outros países, mas sem garantir a construção de jurisprudência sólida.
São conclusões pertinentes e bastante atuais, que tornam o trabalho, a despeito das eventuais ressalvas, um importante livro de referência.
Nota: também publicado no Goodreads > https://www.goodreads.com/review/show/5130678754.