Sobre a “Tirania do Sexo”

Em 25 de junho último, o jornalista Andrew Sullivan entrevistou o escritor Michael Dougherty, tendo como tema geral a crise da espiritualidade no mundo moderno. Um dos segmentos da entrevista tratou do “grande despertar identitário” (em inglês, “Great Awokening”).

Em 9 de julho seguinte, Sullivan transcreveu as considerações de um dos ouvintes acerca desse tópico (em tradução livre):

Sinto que você continua dançando em torno de uma verdade fundamental que você nunca capta, especialmente quando observa que há “algo muito assexuado no movimento trans”. O movimento faz muito mais sentido quando você deixa de lado a ideia de que se trata de disforia de gênero e percebe que é o início de um movimento cultural muito mais amplo no qual a humanidade está se rebelando contra a tirania do sexo.
Como você gosta tanto de observar, o movimento trans prega ideias que desafiam a natureza. Sim, eles pregam, e esse é o ponto principal. Como sua ex-colega Camille Paglia escreveu detalhadamente, toda a história de toda a arte e civilização humana é sobre desafiar e superar a natureza. E, como Paglia seria a primeiro a notar, a forma mais poderosa e cruel pela qual a natureza nos escraviza é por meio de nossa sexualidade.
Durante a maior parte da história da humanidade, não tivemos chance contra o sexo. O controle da natalidade foi uma pequena vitória precoce e revolucionou a sociedade. Agora a tecnologia está avançando a um ponto em que podemos imaginar um mundo onde os indivíduos podem escolher não ser seres sexuais. A criança trans de hoje não é disfórica em termos de gênero no sentido tradicional. A criança trans é um ser humano que vê o que é a puberdade e a puberdade e diz “eu não quero isso”. Não quero que meu cérebro seja sequestrado por produtos químicos que me enchem de um desejo irresistível de penetrar. Eu não quero desenvolver um corpo que me torne um objeto do desejo lascivo de outras pessoas. Se o que significa ser “homem” ou “mulher” é todo esse pacote de expectativas sociais disfuncionais, então rejeito esse rótulo.
Hoje, a tecnologia está quase lá – muito aquém do que seus proponentes afirmam, muito menos o admirável mundo novo onde cada pessoa pode escolher qualquer ou nenhum sexo à vontade. Mas imagine esse mundo. Imagine um avanço milagroso da tecnologia para que todo ser humano possa escolher ser homem ou mulher, ambos ou nenhum, e mudar sua decisão a qualquer momento sem consequências adversas. Não seria uma vitória para a liberdade humana? O erro do movimento trans em larga escala não é sua aspiração, mas simplesmente que ainda não chegamos lá. Os infelizes destransicionistas que você e Katie Herzog destacam são vítimas da luta, da mesma forma que foram os homens que caíram e queimaram nas primeiras tentativas fracassadas de criar máquinas voadoras.
Agora eu sei o que você está pensando: Mas eu gosto de sexo! A puberdade foi incrível! Sexo é uma das grandes alegrias da vida, então por que você quer negar? Entendo. Na verdade, estou do seu lado: também acho que sexo é uma das grandes alegrias da vida. Mas, cem anos atrás, havia pessoas que diriam a mesma coisa sobre atividades humanas preferidas pela evolução, como caçar e matar animais ou lutar em batalhas. Hoje, muitos de nós pensamos nisso como coisas desagradáveis ​​que felizmente não temos mais que fazer. É tão difícil imaginar que amanhã uma nova geração se sinta assim em relação ao sexo?

Entendo que o ouvinte não está exatamente endossando o ponto de vista acima, mas tão somente tentando sintetizá-lo. E se trata de uma síntese, acredito bastante perturbadora. Se procedente, temos uma visão de mundo se alastrando pelo tecido social, ao menos no Ocidente e suas zonas periféricas, que nega uma das condições mais básicas da natureza humana. A meu ver, é o tipo de húbris não muito auspicioso sobre o futuro da nossa espécie. Em sua réplica, Sullivan sustentou o seguinte (em tradução livre):

Posso simplesmente dizer que adoro fazer parte da natureza; e eu aceito os seus limites e me regozijo com eles. Este pode ser o meu catolicismo falando. Ou pode ser minha a experiência vivida de que o sexo é parte integrante do ser humano, e ser um humano não significa transcender nossa humanidade, mas viver com ela. Suponho que se as pessoas quiserem tentar deixar a natureza para trás, elas podem tentar. Mas a evolução é uma força poderosa e a natureza tende a ter a última palavra. (Nesse sentido, não perca o grande artigo de Kate Julian para a “The Atlantic” sobre a “recessão sexual” dos jovens de hoje. E ela escreveu esse artigo antes da pandemia; então essas tendências quase certamente se aprofundaram durante o período de isolamento social.)

A “recessão sexual” apontada pode ser o fenômeno social mais importante da nossa era … e pode estar apenas no começo.

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