Verdade e Condescendência

Parei para ver “Mulher Maravilha 1984”. O caçula queria ver no cinema, mas topou aguardar passar no PPV e o que é combinado não é caro. Como já virou costume, o filme adota várias pautas modernas sobre raça e gênero. Ao mesmo tempo, entre todos os filmes recentes de super-heróis é o que mais contém cenas piegas. A relação entre Maxwell e Alistair Lord, pai e filho (vide foto), é especialmente sofrível. Ademais, a cena de ação na Casa Branca parece saída do filme “Matrix”. Espero que tenham pago o direito autoral. Em suma, não posso dizer que tenham sido 151 minutos bem aproveitados.

No entanto, não pude deixar de achar inusitado o modo como o filme contrasta verdade e condescendência. Explico: em mais de uma oportunidade, a apresentação de um argumento verdadeiro pela heroína é tomado como um exemplo de tratamento condescendente por quem se coloca como vítima a priori. Nas guerras culturais que varrem os EUA e os outros países, algo bastante polêmico. E o filme fecha com uma crítica pouco sutil ao que poderíamos chamar de “direito reparativo”. Outro ponto polêmico.

Entendo que é muito difícil, no mundo dos super-heróis, escapar de uma concepção absoluta de justiça, encarnada pelos próprios. De outra forma, seria impossível compreender os atalhos legais de que estes se valem no combate ao crime. Isso, porém, viola vários cânones da moderna noção de “justiça social”, cujos prêmios e sanções variam conforme a posição social, sexual e cromática dos envolvidos.

Trata-se de uma tensão que os filmes do gênero evitam explicitar por razões que deveriam ser óbvias. “Mulher Maravilha”, por descuido dos roteiristas ou por esgotamento narrativo, adotou estratégia oposta. Ao mesmo tempo, os limites da “linha justa” no campo da ficção ficam cada vez mais estreitos à medida que o politicamente correto (e seus apêndices) se converte em ortodoxia. Com isso, era inevitável que houvesse uma reação[1]. Nada disso, porém, torna o filme uma obra que julgue recomendável.


[1] A crítica a seguir, em sua metade final, contém um exemplo da reação a que me referi: https://www.forbes.com/sites/danidiplacido/2020/12/26/the-warped-morality-of-wonder-woman-1984/.

About Alexandre Rocha

I am a professional committed to applying economic and statistical techniques to the evaluation of public policies.
This entry was posted in Cinema e TV. Bookmark the permalink.

1 Response to Verdade e Condescendência

  1. Pingback: Sobre “Un Asunto Privado” | Alexandre Rocha

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Twitter picture

You are commenting using your Twitter account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s